quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Não moro num país tropical!




Foi uma festa....não, não foi, nunca é!
Há quase uma semana que ando a embonecar a mais pequena. Hoje vou de gato! ai vais...? Estou bonita? Vá faz-me aqui uns bigodes, isso mesmo, tás a ver? Pareço o Rex! Pois pareces...especialmente porque estás de preto e o Rex é branco.....E à tarde vou de princesa! ......
Aquele vestido cor-de-rosa e a cabeleira loira que o meu pai me comprou! (é quase uma ordem...quer dizer...é uma ordem). Lá foi de manhã de gato à tarde de princesa, e no dia a seguir, preparava-se com grande pompa o desfile escolar. Um frio daqueles de rachar lenha, uma chuvinha miudinha que mais pareciam agulhas de gelo e aquele ventinho suão que seca até a pele da sola dos pés! Um espectáculo! Lá a atafulhei de...deixa cá ver....duas camisolas interiores, mais uma de gola alta e pra rematar uma camisola polar, boa! Em cima de tudo isto, e já com a gaiata a rir das minhas angustias (tão pequena e já consegue ser tão estúpida) lá a consegui enfiar, não sem vários passos dignos de um controcionista de renome, no vestido de veludo preto....pois claro, mas então o que é que esperam? É claro que a rapariga foi trajada a rigor de.....vampira.... uma capa preta com plumas, uma gola de entre-tela, olhos negros e doentios, sublinhados a vermelho, pele branca e lábios carmim, uns caninos de borracha a completar o boneco. Perfeita! Pensei por um segundo...não menos de um segundo. A gaja começa a pôr e tirar os dentes, e em menos de nada, a palidez que tanto trabalhinho deu a conseguir aqui ao "je", deu lugar a um ar corado/esborratado...é que já havia baton vermelho sangue até no olhinho do rabo da gaiata!!!!! Xiça!!!
Lá ultrapassámos, o momento doloroso de voltar a pôr tudo (e refiro-me à cara dela) no lugar, e já atrasadas, as usual, saímos em direcção ao ponto de encontro. Afinal de contas não havia desfile, afinal estava a chover (ai sim? olha que não se deu por nada!), afinal e festa escolar era no pavilhão multi-usos lá do burgo e assim foi....ou era pra ter sido...porque a meio da manhã, a chuva deu tréguas, por....meia hora se tanto, e lá foram em magotes os miúdos todos, desfilar pelo centro da cidade. Escusado será dizer que antes de poderem voltar ao dito pavilhão, recomeçou a chover e o resultado foi, no que me diz respeito, um nariz (ainda) mais entupido que à partida, e ranho, muito ranho.
O fim de semana, foi passado no sossego do lar.
Até parece uma coisa assim, pró idílico e tal. O sossego do lar foi um jantar de família, porque o marido fez anos e prontoS. Não preciso de me alongar, porque seria mais do mesmo, muita gente, uma trabalhêra, e etc, etc, etc.
Vamos fazer de conta que não aconteceu, e saltar directamente para a Terça-Feira de Carnaval, ou gorda como lhe chamavam nos antigamentes.

Outra vez a correria. Mas desta vez a três. Era o desfile Carnavalesco, e os escuteiros iriam vestidos de índios.....(no caso lá de casa, nem era preciso disfarce, mas pronto). Os mais velhos com uma disposição que nem vos conto, mesmo sem o traje, já faziam mentalmente a dança da chuva. E nem era preciso, porque o dia amanheceu molhado e adormeceu encharcado, sem descanso! Vestiram-se, pintei-os, lindos! Um machado, uma pena, dá cá os papelinhos, toma lá a cabeleira, não me pises as tranças, pareces um índio palhaço, eu pareço um pedinte! Não chores, tu não vês que é Carnaval. Escada a baixo aos encontrões, vá, agora todos a postos, sorriso! não queres! Ai queres queres! Eu quero uma fotografia dos três e mais nada! Entendido! Parece que entenderam. Aos trambolhões, e já atrasados (olha que novidade....) tudo pra dentro do carro, debaixo de mais uma bátega de água. Chegados ao local agendado, o diluvio deu-se. Os carros alegóricos desmoronavam-se ali diante dos nossos olhos, flores plissadas, abelhas e outros bichos escorriam pelo chão. Bonito! Afinal é Carnaval, há que ter espírito!
Meia volta e casa!!!! Os mais velhos aplaudiam efusivamente e a pequena atava um burro maior que ela no banco traseiro do automóvel.
Acabou tudo desfardado e despintado sentado numa mesa do café do Pingo Doce a comer pão com manteiga e a beber leite com chocolate. Há que ter espírito!
Isto tudo pra dizer que a mim, só a palavra "desfile" me dá uma coisinha na pele, e uma volta no estômago, que nem sei como explicar!
Mas quem é que se lembrou desta coisa dos desfiles! Não sei se já repararam mas estamos em Fevereiro, hemisfério norte duhhh! Mas não, é ver uma cambada de caras de monos, semi-despidas/os, sem o mínimo sentido de ritmo (não nos está no sangue) no meio das ruas, e com toda a certeza a arranjarem uma carga de trabalhos a alguém! Gripes, constipações, quiçá até pneumonias! Ahhh poizé!
Não quero dizer com isto que não gosto do Carnaval, nada disso, cá em casa sou a única amante desta festa. Mas lembram-se dos bailes? Bailes dentro de casa, nas colectividades, até altas horas da manhã? Lembram-se? Esses ao menos eram tradição nossa, não esta coisa do samba desfilado na rua!
Podem achar-me saudosista, melancólica, velha, o que seja, mas sinceramente acho esta forma de encarar o Carnaval, uma estupidificação das tradições. Aliás, cada vez mais me convenço que quanto mais sabemos mais parvos vamos ficando.
Anyways, siga o baile!


Muita atenção que este post tem já dois ou três dias de gaveta, bem sei que o carnaval já foi e isso tudo. Pronto é só!

Pics do Pai Zé Manel, retocadas pela Nônô

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Apetite por sangue!



Não.
Não mesmo!
Desenganem-se se pensam que vou falar de vampiros e guerras televisivas.
Podem sair se pensam que me vou para aqui pôr a tecer comentários sobre a febre vamp que pulula por todos os recantos do mundo dito civilizado (isto é até irónico...civilizado...pois...)
É que não mesmo.
Um dia destes cortei-me. Cortei-me com uma caneca que se partiu enquanto a lavava, e me ia levando o dedo polegar da mão direita (obrigada, mas a sério, não é preciso tanta preocupação, sou canhota). Entretanto, como a coisa ficou, digamos que feia, entrapei a mão toda, não de qualquer maneira, nada disso, com umas ligaduras todas xpto, e tal, ou seja uma coisa quase quase à pró, mesmo mesmo a mandar "ventarólas"!
Resultado: não posso pisar a rua sem que de todo o lado se ouçam exclamações, questões, e outras observações, tipo: "Aiiiiiiii coitada! Atão o que lhe aconteceu?!", Ohhh meu Deus, aleijou-se (não meu estafermo, não me aleijei...)pobrezinha!!!! Foi profundo? É grande? Sangrou muito? Quantos pontos levou? Bem!!!! Deve ter sido horrível!!!!"
- Cortei-me....com uma caneca partida....sangrou um bocado, é grande, profundo, mas não fui ao hospital, não foi preciso...
É neste preciso momento, que o interesse no meu infortúnio, se evapora. "Então esta gaja, cortou-se com uma caneca partida e nem sequer foi ao hospital, tssssss aquilo foi mesmo uma coisinha de nada, nem pontos nem nada, nem um desmaio, uma quebra de tensão, um colapso nervoso...nada....
É mais ou menos desta forma que se manifesta uma das maiores peculiaridades do povo português. Há um acidente, é importante saber tim tim por tim tim o que se passou, a velocidade da batida, os feridos ou mortos (estes muito mais apreciados), o nível de violência do embate e claro todos os pormenores escabrosos, tais como membros decepados e claro...sangue, muito sangue!
Não consigo compreender esta apetência para o desastre, esta queda para a desgraça, esta tendência para o coitadinhodo pobrezinho que morreu todo esmigalhadinho!
Ok, ok, bem sei que as coisas más acontecem, que pra ficar mal só é preciso estar bem e blá blá blá, mas porra! É preciso alimentar esse fetichezinho retorcido? É preciso babar de curiosidade mórbida? Pá, não é!
Só por causa disso, e especialmente porque não tem nada a ver, e principalmente porque estou em picos por encontrar alguém que cague no meu corte (não literalmente, percebem?, só mesmo em sentido figurado.)Só porque estou até ao pescoço de porcarias e a minha vida ultimamente parece ser uma série de desgraças, só por causa disso, e para deixar aqui bem claro que só gosto de sangue na cabidela de galo, e só mesmo por causa disso, vou-vos brindar com umas imagens do meu Alentejo, lindo, limpo, simples, e sem sangue meus amigos, enjoy yourselves, e digam lá que não é melhor, muitas vezes melhor que falar sobre um corte com uma caneca partida?


Pics da Leonor sob orientação de moi meme (ahh pois)

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Por quem dobram os sinos?



"Ê fui cantonêro! Ah pois fui! Muntos anos! Corri seca e meca...o mê patrão era o Chefe da Estrada, conhece-o? Boa pessoa...tava sempre tudo bem pra ele, sempre...esta aqui? É da Granja. Faz versos!"

"Sou da Granja sim Senhora, sabe?, Todos os anos, no Entrudo, vinha aqui pra Mourão, morava cá mê tio, sabe? ele dizia a minha tia: Maria, tens que fazer arroz doce, que vem aí a nossa menina, que era eu percebe?, eu era a mais piquinina, era tudo pra mim, tanto q'eu gosto de arroz doce! Até me lembia! Em casa de minha mãe, não se fazia arroz doce...pois não...tinha-lhe morrido uma filha já grande...em Lisboa...sabe? até me puseram a menina dos versos! Escute:

Lindos brincos tem a moça, nas orelhas a abanar, quem me dera dar um bêjo, onde os brincos vão beijar"

"Fui toreiro! Agarrante! Olhe faz amanhã, dia da Candelária 37 anos quê peguei um mesmo à saída dos curros, na tourada da festa! Levei munta pancada, oh se levei, mas ouça, nunca me desmaginei disso eheheh ehh touro, eh touro!"

"Escute, menina, ê sou da Granja, sabe, no Entrudo vinha aqui pra casa de mê tio, faziam-me sempre arroz doce, Maria, vem ai a nossa menina! Ê até me lembia! Na minha casa não se fazia...."

E lá continua...só muda o sujeito, umas vezes morreu uma filha já grande em Lisboa, outras vezes uma irmã, outras vezes foi a mãe que morreu afogada na ribeira.

Tem sido um banho de realidade, meus amigos, mas não é assim um duche rápido que se toma ao fim da tarde pra esquecer o dia de trabalho e apagar o suor do corpo cansado, nada disso. É mesmo um banho demorado que nos cansa a alma nos acorda todos os sentidos, um banho frio como pedra.

Tenho muitas vezes nos últimos tempos encarado isto como um olhar do futuro.

Por motivos familiares, tenho passado muitas horas num lar para idosos, depois de mais de um ano de luta, de cerrar os dentes e não querer ver que o inevitável estava mesmo ali à minha frente, fui obrigada a ceder à força de muitas circunstâncias. Talvez não fique muito claro, neste texto, mas a dor, o incomodo, a culpa...são perturbadores, e quem sabe volte ao assunto quando a ferida estiver um pouco mais sarada. Tudo sara, esta não vai ser diferente.

As visitas diárias a um lugar destes, por muito bom que ele seja, são qualquer coisa para a qual ninguém pode estar preparado de ante-mão.

A visão do futuro, crua, como uma batida de frente.

O esquecimento, a decrepitude, os membros tolhidos pelas escleroses, artroses, avcs, Alzeihmers e afins; a vida toda impressa em dor e saudade nos olhos cansados, as bocas abertas num espanto mudo, a coluna dobrada, bengalas, andarilhos, pés que se arrastam numa sinfonia de pó-de-talco, e fraldas e urina e desinfectantes...

Porque somos jovens, ainda, tudo isto é exactamente aquilo que não queremos ver, que fingimos não existir sequer, porque estamos longe, tão longe que é impossível aceitar aquilo como uma realidade que nos espera. Nada nos trai os sonhos, a juventude ou a vaidade.

Todos os dias as mesmas histórias, repetidas no mesmo tom de quem tem ainda coisas para dizer, apenas nem sempre tem quem queira ouvir. Todas as tardes as mesmas apresentações de ontem, quem são, como se chamam, de onde vêm. A vida que se esvai, e ainda assim teima em renascer a cada palavra dita.

Já sei os versos de cor e salteado, já conheço o patrão, as sortes das faenas dos touros, os filhos, os tios, o arroz doce...

Estas pessoas entraram na minha vida, quase todos os dias eu e a minha irmã, falamos deles, rimo-nos com as repetições. Claro que nos rimos, seria hipócrita dizer que se resiste! Claro que não! A frase "até me lembia!" entrou definitivamente no vocabulário familiar, e acompanhamos com efervescência o namorico entre um casalinho de octogenários, que partilham maçãs e laranjas pilhadas à socapa da mesa do almoço, e que provavelmente todos os dias se apaixonam um pelo outro...à primeira vista.


"Já vi chover e estar sol, já vi luar e estar escuro, vi tirar um bem-querer, onde estava tão seguro"



 

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