segunda-feira, 29 de março de 2010

Dignidade - Coisas que não interessam nem ao Menino Jesus,


mas que para mim fazem toda a diferença.

Na semana passada, fui com a mais nova a uma consulta de rotina pediátrica ao Hospital de Évora. Lá saímos de casa as duas muito lampeiras, na certeza de que a dita consulta estaria à nossa espera para nos receber na porta de entrada. Cantámos e rimos os 37 kms que nos separam da capital do Distrito. Fizemos até planos! Quando sairmos vamos aqui, depois vamos ali, e com um bocadinho de jeito ainda vamos "acoli".
Mas não. Com tantos anos disto, tantos filhos, tantas marcações, já devia saber de cor e salteado que isto do sistema nacional de saúde não é exactamente assim como pensamos, ou, como eu, que sou ingénua e estúpida, penso.
Mal entrámos na ala de pediatria, logo demos de caras com as inovações, dispensador de senhas, ecran de chamada, e uma cambada de etcs que só tornaram o atendimento mais e mais moroso (vá-se lá entender esta gente...).
Adiante. Não foi nada de mais não senhor, foram três horas de dura espera. Três horas num crescendo de desespero.
A coisa começou com a habitual calma que antecede a tempestade. Fomos recebidas, como sempre, calorosamente "olá Boneca!", as enfermeiras ainda a mimam como quando ela era um bebé de colo (ao menos isso).
Passada a primeira hora, os "mas quando á que nos chamam?", ou os "ainda demora?", começavam a multiplicar-se como as ninhadas de coelhos, mas eu lá ia contrapondo com uns suaves "não tarda nada", ou "deve ser já a seguir, vai brincar meu amor".
Passada a segunda hora, a rapariga, depois de uma dezena de desenhos, depois de ter experimentado todas as brincadeiras (poucas diga-se de passagem) à disposição dos miúdos, depois de folhear uns quantos livros, estava total em completamente em queda livre, "eu quero ir-me embora", e "eu tou cheia de fome", ou ainda "voltamos amanhã!", sempre acompanhados de investidas à minha pessoa, rebolava-se nas minhas pernas, sentava-se no meu colo, fazia cavalinhos nas minhas pernas, escorregava até ao chão, amuava... Por esta altura o meu discurso era já mais contido, e sentia uma ponta de tensão nos dentes " está quietinha se faz favor", e "sossega por amor de Deus".
Duas horas e meia. Senti claramente o momento em que comecei a olhar para as pessoas com um ódio sentido. Não escapava vivalma. Crianças, passantes, esperantes, pessoal auxiliar. Apetecia-me encetar ali mesmo uma chacina, até à médica que seria a última, e por isso mesmo com requintes de crueldade. Indiferentes à minha vontade, os meus dentes rangiam. A gaiata amuava de braços trocados, às vezes ousava desafiar de mão na anca "mas isto é o quê!? eu quero ir comer, doí-me a barriga, tás a ouvir - a apontar para o estômago - tás??? a minha barriga está a rosnar, tou a morrer de fome!". Eu tinha optado pelo silêncio. Temia sequer abrir a boca e soltar a lava que fervilhava dentro da minha pessoa. Foi então que a sacaninha da rapariga, deu o golpe de misericórdia. Cansada, deixa-se cair pra cima de mim, assim, sem aviso, atenção que estamos a falar de um ser com mais de trinta kilos, e ouve-se um "crac".....o salto do sapato partido. No lugar do salto, apenas havia meia dúzia de pregos retorcidos pela força do embate. E agora! Dez centímetros a menos! Então sai uma pessoa de casa pra isto? Vem uma pessoa à cidade uma vez, pra isto?!!!
A pirralha, deve finalmente ter visto alguma coisa nos meus olhos que a amedrontou de uma maneira nova (ou então foi mesmo o facto de eu lhe ter dito "senta-te imediatamente, ou levo-te ali à casa de banho pra teres uma conversinha com as minhas mãos", e sentou-se. Quieta. Calada.

Três horas depois da nossa chegada, eis que, - Eugénia! - a médica. Entrámos, eu de cabeça erguida, a coxear, em bicos de pés. O salto do sapato na mão.
Não me lembro muito, bem, porque tenho a nítida noção de que tive uma branca, mas acho que nos primeiros dez minutos dentro do consultório, nada mais fiz que responder com acenos e hum huns às perguntas que me iam sendo feitas. Não podia arriscar muito. Uma palavra e a carnificina teria lugar ali, deitava-a na marquesa, e cortava-a em bocadinhos pequeninos com um daqueles pauzinhos pra ver as gargantas dos meninos, e saía feliz e contente banhada em sangue.
Devo dizer que a consulta demorou meia hora, a rapariga foi vista de cima a baixo com esmero e preceito, o que acalmou a minha ira.

Finalizadas as hostilidades. Lá saímos daquele lugar. O hall de entrada apinhado de olhos. E cá o je, de mão dada com a desgraçada da gaiata (sim àquela hora ainda me apetecia dá-la pra adopção), a mala na outra mão, em bicos de pés, queixo bem esticado ao estilo " estão a ver seus pelintras! Eu até só com um salto sou de uma elegância e distinção ímpar!!!".

Agora só já faltavam os dois km a pé até ao lugar onde o carro estava estacionado. No centro de Évora. Foi nesse momento que abençoei os anos a fio de teatro amador. Não foi em vão!


P.S.- Tinha mais coisas a dizer, mas uma amiga minha, um dia destes, disse-me " tu não maces as pessoas, conta uma coisa de cada vez, pá!" e eu achei que "tá bem, pronto, vou fazer isso".

terça-feira, 16 de março de 2010

Deixem-me falar-vos do silêncio



Prometo não demorar.

Não sou aquilo a que vulgarmente se chama uma pessoa calada (calculo que já deu pra notar....), tampouco sou uma pessoa circunspecta, melancólica, retraída, inibida ou outras coisas que impliquem uma determinada polidez da expressão oral.

Durante toda a minha vida, vivi numa casa onde se falava alto. Para quem chegava de fora, com facilidade podia confundir uma conversa trivial com uma disputa fervorosa, aos berros. Sempre assim foi, um bocadinho como no Roma do Felini, toda a gente a falar muito alto, até porque era mesmo a melhor forma, senão a única de nos ouvirmos e entendermos.
Por outro lado, nunca ouvi da boca do meu pai, ou da minha mãe um palavrão digno dessa nota.
Ou seja a malta grita, fala alto, mas mantém um certo nível de conversação, prás coisas não descambarem.
Cá em casa, as coisas não são muito diferentes, se bem que, isto dos anos a passarem, tem-me trazido aos poucos uma certa sensibilidade abichanada aos meus ouvidos, e começam a incomodar-me os barulhos despropositados, a televisão aos gritos, a música aos ginchos, as galarices dos gaiatos. Ainda assim, claro está, continuamos a cultivar a veia artística existente em cada um de nós, e raramente falamos baixo. A vida é um palco meus amigos, e esse é o lema vigente da porta pra dentro! Todos aqui têm o seu momento, e alguns têm até direito a aplausos de pé! (não é o meu caso...não sou de todo um género muito apreciado).

Todas as manhãs, ainda em vale de lençóis, no doce abraço de um sono redentor, invariavelmente, sou acordada por um "Oh Leonoooooooor! Trás-me o lençooooool!", explicar aqui que o lençol de banho está em cima do aquecedor, a noite toda, pra ficar quentinho. Explicar também que à primeira chamada não há qualquer tipo de reacção, o que leva a uma segunda e eventualmente terceira.
Não é uma maneira agradável de acordar, não é pacifico, e como compreendem, compromete precocemente a disposição para o resto do dia...pelo menos a minha.
Uma pessoa habitua-se a tudo, e o barulho tem sido uma constante durante toda a minha vida, viver sem ele seria sem duvida um buraco negro.
Ainda assim, como diria a minha avozinha, que já lá está no outro lado, o bicho do ouvido não apresenta grandes sequelas, e posso-me até gabar de ter aquilo a que a minha mãe se referia como ouvidos de tuberculoso (deve depreender-se daqui que os tuberculosos têm um ouvido muito apurado), mas também, não vejo um pedo, era muito azar também não ouvir um! (uiiii a conversa está mesmo a descarrilar, estou-me a lembrar que uma amiga minha, já me acusou de ter nariz de perdigueiro, é melhor ficarmos por aqui com os analogismos).
Há quem se questione : "ó Carmo, isto os miúdos ao fim do dia já devem estar todos fartos uns dos outros, não é?"- ao que eu respondo "não senhor! Aqui já acordam fartos uns dos outros que isto Graças a Deus Nosso Senhor é uma casa de fartura!". E é mesmo assim, não estou a embonecar o assunto só porque sim. Só para vos provar que me estou a esticar, um dia destes, uma vizinha minha, que mora no mesmo bairro que eu, o mesmo bairro onde nasci, e que agora está pejado de gente velha e casas vazias, um dia destes, dizia eu, enquanto eu estava a estender roupa na varanda, chamou-me do quintal dela " Carminho! Ai filha se não fossem as tuas crianças a gritarem e mais tu, a gente nem dava por haver aqui vivalma!"... pronto, fiquei a saber que somos o mais perto que a vizinhança tem de real animação....
Posto isto, e porque prometi não me estender, imaginam bem o que é o poder do sossego, a força do silêncio quando já tarde (porque os cabrões dos gaiatos não dormem nem à lei da bala! , vá-lá às 11h da noite e, já não é mau!), aquela gente toda se amaga, e adormece? Podem sequer tentar imaginar?
A haver paraíso, deve ser parecido.
Nesse momento, finalmente com filhos e maridos e gatos, tudo ferrado a dormir, nesse momento repito, finalmente estendo-me no sofá, senhora do comando, zapo pra cima, zapo pra baixo, estico as pernas, apago a luz, depois acendo a luz, sento-me, vou buscar qualquer coisa pra comer, faço um chá, tiro todas as caixas de chá da dispensa, escolho uma, depois outra, não afinal quero esta, aqueço a água, espero que quase ferva, tiro a roupa da máquina de lavar, ponho a roupa na máquina de secar, dou um pontapé no gato, bebo o chá, folheio uma revista velha, volto pró sofá, desligo o ar condicionado, dobro um par de meias que está aqui em cima da mesa, desligo o computador que os sacaninhas deixaram ligado, verifico se a porta da cozinha está bem fechada (duas voltas na chave), sento-me no sofá, entendo as pernas, zapo mais uma vez, vejo o que há nas gravações, levanto-me do sofá e vou deitar-me. O silêncio da sala dá-me medo. Acho que só é bom ali, no impacto do momento, depois passa. E é tudo o que eu tinha pra vos dizer sobre o silêncio.

Ps: Até à semana passada tinha 34 seguidores, agora só já tenho 33, há um desistente. Vocês, estejam à vontade pra sair, tá bem? Mas façam barulho, não saiam com pezinhos de lã!
Pronto, agora é que é mesmo tudo por hoje.
Vá, até logo.



terça-feira, 9 de março de 2010

Tiranias e outros bons sentimentos

-És mesmo má!
Acreditem ou não, uma mãe (vá...eu) ouve isto mais vezes do que seria desejável.
Basta a coisa descambar um tudo nada para o "eu quero!", seguido de um resoluto "era o que faltava!!!!", que lá vem a régua em riste: "és mesmo má!".
Depois há toda uma paleta de cambiantes, conforme a queda dramática do utilizador. Há o choro convulsivo acompanhado de gritos de "revolta" focando com alma e determinação a "tristeza de vida que eu levo!", ou ainda o muitíssimo procurado "mas porque é que só me vês a mim!" (este é um must de qualquer estação cá em casa). Há ainda quem opte pelo choro moído, baixinho, murmurado, que acaba invariavelmente ao estalo (nunca apreciei muito o género murmurar, e em detrimento opto sempre pelas palavras ditas alto e bom som). E at last, but of course not the least, há o deprimente silêncio, a única das opções que me faz, enfim, abanar nas bases. Mas pronto, é assim um abanar interno e muito ao de leve. Gosto pouco de trombas.
A atmosfera adensa-se, os narizes andam espetados, a respiração acelerada, os gestos bruscos, as portas batem (as portas e normalmente bato eu logo a seguir, mas adiante), e claro, o clima de boa vontade, paz e amor católico é uma miragem.
Ora eu não sou pessoa de me moer muito com estas pequenas cenas quotidianas, até porque, mesmo sem cair o pano, ou mudar o cenário, e muito antes das pancadinhas de Molière soarem, sem sequer deixarem a audiência sentar o cu na cadeira, começa outra improvisação!
Não posso deixar de reconhecer que os gajos são duros na queda, e obviamente têm lá os estratagemas deles que, mea culpa, na maior parte das vezes, seja lá porque caminhos for, acabam por resultar.
Só pra vos exemplificar, a mais velha, teria aí uns 6, 7 anos, e disse-me sem um pingo de vergonha "sabes onde eu tenho o pai?", e eu "onde?", aqui, abriu a mão direita em concha e com o indicador da mão esquerda tocava repetidamente na palma em concha. Ou seja que esta gentinha infame nasce já com uma antena especial pra conseguirem vitórias logo desde muito pequenos e isso é frustrante para este ingrato papel de pai/mãe que não tem aprendizagem que não seja o "viva você mesmo".
Mas não pensem que me rendo! Nem pensar! Posso vergar, que vergo, mas não parto com essa facilidade toda. E só pra provar isso mesmo, instaurei desde há muito a democracia musculada à lá Orwell, "todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros!" ah poizé! Por isso pianinho...
Voltando à questão das trombas. Quanto o mau tempo se dissipa, normalmente é substituído por coisas pegajosas, beijos, abraços, confissões "oh pá mãe fala comigo! anda lá, senão vou dizer prá escola que sou negligenciada...", muito amorosa..., ou "mãe, hoje ainda não me deste um beijinho, nem um abraço, não fujas mãããeeee" (mas fujo, porque ele é muito grande e aperta-me o sacaninha), a mais pequena é de longe a mais inspirada "mãe tu és a mais linda do mundo!", quero esclarecer, que lá em casa somos todos míopes, muito míopes, daí que a miúda diga estas coisas muito amiúde. Quer dizer o pai, não é míope...mas é distraído, pronto.
Agora, mau, mas mesmo mau é quando surge, poucas vezes, pois caso contrário já tinham com toda a certeza sido dados para adopção o "oh mãe és tão fofinha"...fofinha...haverá palavra mais maçadora, estúpida, enjoativa e apelativa ao vómito do que esta???? A última coisa parecida com fofinha que vi, miava era peluda e acabou esmigalhada debaixo das rodas de um tractor ali na curva dos Álamos!!!!

Ora palavra puxa palavra, e vai daí que a Mary Brown do Just a Woman, ofereceu-me um selinho que diz que este Blog é...Super Fofo. Tu ouve-me bem rapariga, eu fico muito sensível quando ouço esta palavra (sim porque eu também sou uma pessoa sensível), e não é pelas melhores razões! Mas desta vez passa, passa porque és tu!


Acho que já disse o que acho deste selinho em particular (humpff).

A mesma menina também me deixou este outro selo, que diz que aqui a chafarica é um blog fashion. Gosto de pensar que sim, assim a dar pró retró, mas sim. A este há aqui umas coisinhas pra, digamos, responder:


1- Dois truques de beleza: aqui cai o pano.....sei lá...xa cá ver, ponho base todos os dias e não consigo sair sem ela, por causa das olheiras e disto e daquilo. É só um? Pois, e não há mais!
2 - Dois presentes: perfumes e livros e trapos e chocolates e ....
3 - Lugares preferidos pra compras: esta é fácil! qualquer lugar onde haja comida!
4 - Dois defeitos: dois...pois....
5 - Duas qualidade: a beleza, a originalidade, a forte personalidade, a beleza, a simpatia, a beleza, e claro a modéstia.
6 - Dois produtos de beleza: esta é pra rir?
7 - Sou mesmo do tipo que tenho a mania.
8 - Não suporto, a hipocrisia e tudo o que ela encerra, porque ela encerra tudo de mau
9 - Adoro gente que me faça rir, e prezo a lealdade acima de tudo
10- Uma pessoa especial: Neste caso cinco, claro que a minha família, estes tiranos que me tiram do sério e me enchem os dias e o coração.
 

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