quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

É por isto que eu não largo os Levitans...


Para os que ainda não sabem (não que isso interesse para alguma coisa), trabalho numa aldeiazinha perdida no Alentejo. Como dizem os velhotes daqui, "olhe menina, isto já nem uma aldeia éi, isto é mazé um monti!". E com razão. Os transportes públicos, ao longo dos anos têm vindo a cortar o número de ligações a estas terras, coisa que friamente até se compreende, se tivermos em conta que cada vez há menos gente. Contam-se pelos dedos os miúdos que vão para a escola fora da aldeia (e dentro também...parece que para o ano que vem, a escola primária vai encerrar de vez), e os velhos quando saem daqui, é na maior parte das vezes por motivos de saúde e então são as ambulâncias ou as carrinhas da Junta de Freguesia que vão dando conta do recado.

Havia aqui na esquina uma mercearia. Um daqueles lugares onde as pessoas iam comprar o pão e ficavam na converseta, a ludibriar a solidão destas paragens. Fechou. Os proprietários estão já nos oitentas bem entrados e cansaram-se do caderno dos calotes "aponte se faz favor que eu pago no fim do mês quando o meu homem receber."

Os velhos estão cada vez mais velhos, as ruas estão cada dia mais desertas e os novos entregam-se a este canto de sereia da pobreza e vão-se deixando enganar pelos trabalhos do campo, também eles cada vez mais escassos, roubados por toda a espécie de máquinas e tecnologias.

Um dia ainda vos falo dos olhos das crianças que ainda por aqui vivem, do vazio que há nos olhos delas, na falta de estimulo que passa de geração em geração sem apelo possivel.

Um rapaz de uma aldeia vizinha, estudante universitário, fez um levantamento da freguesia, e pasme-se, há menos de trinta anos, esta terrinha tinha mais de dez mercearias, outras tantas adegas, curtidores de peles, sapateiros, queijarias e salsicharias (as carnes e enchidos, e os queijos sempre foram a imagem de marca deste lugar, há até uma frase muito batida por aqui : "até do leite se fazem queijos!"), alfaiates, três padarias e muitos outros ofícios. Hoje resta uma padaria, e a sociedade recreativa (que de recreativa não tem nada), onde, valha-nos isso, ainda se pode beber um café, e onde homens e mulheres se reúnem para fazer o que mais de faz aqui: beber, beber e beber.

Agora imaginem vocês, cá o je, todos os dias vai almoçar a casa (9km) e regressa... o que tem isso de especial, perguntarão. Pois bem, o que tem de especial é que raro é o dia em que não acabo por fazer assim uma espécie de serviço público em regime de voluntariado. Diariamente aparece gente aqui no escritório :"posso ir consigo agora à hora de almoço? " e continuam, "tenho que ir à caixa levantar o dinheiro, ou tenho que ir pagar a luz, ou tenho que ir carregar o telemóvel, ou vou dar uma ajudinha à minha filha, ou vou entregar os papeis do desemprego, ou tenho consulta às duas da tarde, ou vou aos chineses comprar um par de cuecas". E depois " se não se importa venho consigo às duas horas, pode ser? espero por si ao pé da escola."

Bem, o bom disto é que sou paga em ovos, limões, laranjas, salsa, coentros, couves, ervilhas e uma vez ou duas, chocolates e até pacotes de amêndoas, e, ao mesmo tempo, vou sabendo a história de vida de metade da aldeia.

Provavelmente não é o sonho de uma vida. Não é. Mas enfim, diz que cada um só tem o que merece.


os desenhos são daqui, um artista local a ver e rever, vão lá sem demora!

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Nem a dignidade me deixam.

**

- Dás-me a lua?
- Dou. É tua!
- Ajudas-me a agarrar aquele sonho?
- Ajudo! Diz-me só, onde o ponho!
- Ficas comigo até ao fim?
- Não brinques comigo, que ainda te digo que sim!




Estou de volta para mais um desabafo das minhas pequenas misérias.

Assim de repente, como um chapadão que nos assenta mesmo em cheio, fez-se luz. A minha vida é um sem fim de coisas por cumprir. Eu não sou uma pessoa vertical como tantas vezes me deito a apregoar, e isso é no mínimo desconcertante e desmoralizador ( e ainda há-se ser umas quantas coisas mais começadas por "des", de certezinha). Senão vejamos. A parte do dia que não estou no emprego, estou quase sempre em casa. Estou quase sempre em casa em modo "vinil riscado alienado demente e maníaco do século passado a qual ninguém liga um pedo". Uma coisa do género: "eu disse que queria o fogão lavado, e tu chamas a isto lavado!", "porra! mas o que faz ainda aqui o saco do lixo do jantar de há três dias!!!!", ou ainda "porque é que dizes que a casa de banho foi limpa, e não mudaste o cesto dos papeis!???", sem esquecer o "acabou-se! ou fazes o que te digo ou então não vais ao treino/café/sair com o namorado/cinema/computador/telemóvel/msn/televisão/etc, etc, etc,", obviamente sempre seguidos da expressão " é que não tiras daqui o cu! (ou as nalgas*, vá...)".

Tudo isto, sempre num tom de voz, muito acima daquilo que a minha própria pobre cabeça já vai aguentando. Tenho por isso a nítida sensação, que entre este momento e um outro que será eu sair à rua em pelota, ou mandar-me da varanda abaixo, já não distará muito.

A verdade é que esses castigos, acabam invariavelmente antes de chegarem ao fim. E terminam da forma mais degradante possível.

Sou sempre comprada por uma pontada de pena que me nasce aqui dentro, e depois eu tento enxotar, mas já não é só pena, e depois já é uma mistura de dó e culpa e quando chega a pergunta envolta em falinhas mais ou menos mansas, tipo : "já está tudo arrumado, achas que posso ir ao blá blá blá?" , nessa altura, dizia eu, apanham-me totalmente de portas abertas, desprotegida, indefesa, de calças nas mãos é o que é. E por muito que ponha a minha pior cara ("estás sempre com uma cara!"), é mais que sabido, que a outra parte está confiante na minha resposta falsamente mal humorada "vai lá...mas ficas a saber que é a última vez! entendes! ENTENDES!!!".

Claro que entendem. Entendem até demais.

Uma vez um especialista destas coisas do comportamento, disse-me "minha senhora, os castigos têm que ser levados até ao fim, por isso pense bem antes de os dar."

Acho que o homem estava coberto de razão.
Acontece que razão é coisa que a minha pessoa não conhece, e quando dou um castigo, a raiva é maior que o mundo e sai sempre assim uma coisa brutal, à séria, uma coisa assim mesmo mesmo de má.

Ou seja, eu sou uma troca tintas, uma borra botas e uma fala barato.

Uma tristeza portanto.

*nalgas=nádegas (alguém podia não saber...)
**fui eu que escrevi sim senhora!

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

De boa vontade e "á borla"

Para não pensarem que aqui só se fala de vida familiar e outras coisas supérfluas, saibam V. Exas. que este é também um lugar onde a cultura comanda!
Hoje deixo-vos umas quantas recomendações cinematográficas (sim porque eu sou pessoa para me aventurar a fazer recomendações de coisas).
Estes primeiros meses do ano, são sempre férteis no que diz respeito a estreias, ainda pra mais com toda a parafernália de nomeações e etcs para uma quantidade de galardões a jogo, que na maior parte das vezes mais não são do que gatilhos de estúdios com mais ou menos dinheiro.

Mas passemos ao que interessa. Se quiserem tomar nota, aqui vai a primeira recomendação, "The Black Swan", de Darren Aronofsky, o mesmo que já nos tinha brindado com "Requiem for a Dream", ou "Wrestler", só para dar alguns exemplos.





Este Cisne Negro, é assim um bocado a dar pró psicadélico/neurótico. Visualmente é perfeito (até porque a Natalie Portman é absolutamente completamente linda de morrer), mas (há sempre um mas), confesso que não é propriamente a minha praia. Apesar de todo o ambiente carregado do primeiro ao último minuto, os recalcamentos, o sexo ou a falta dele, a ditadura espartana da disciplina, a figura aglutinadora/castradora da mãe, as tentações viscerais, a densidade dos personagens, apesar de tudo isto, não sei, mas se calhar sou uma rapariga demasiado comum, e prefiro coisas um bocadinho mais lineares. Ainda assim, um bom filme. Digo eu.
Depois, já a dar cartas fora de portas, e com estreia marcada para a próxima semana em Portugal, "True Grit", que parece traduziram para "O indomável". É um western à antiga, aliás é mesmo um remake de um outro filme de 1969, onde brilhava John Wayne. Desta vez não é o Duke que brilha, mas sim um extraordinário Jeff Bridges. Apesar de não ser um argumento original, como por norma acontece com os manos Cohen, a mão destes jovens não deixa de se fazer presente em cada momento do filme. Por mim, desde já afirmo que fiquei literalmente agarrada. Um mimo, este filme de "cóbois", meus amigos, um mimo!



E ainda...uma filme de animação. Sou perdida por filmes de animação, e este "Despicable me", é uma experiência belíssima. Apesar de não fazer sombra ao melhor do ano deste género que, na minha opinião é sem qualquer dúvida "Toy Story 3", soberbo, este Gru, é indispensável, e a prova provada que ser mau compensa ;DD

E agora se quiserem vão a um blocckbuster perto de vós e aceitem as sugestões que faço de tão boa vontade...se não quiserem, paciência, mais perdem!

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Eu já fui uma pessoa violenta



Um dia destes, ao ler este post, no blog Pronúncia do Norte, pra quem não conhece está muito a tempo de lá ir, até porque vale bem a pena a visita, como ía dizendo, o relato despoletou em mim uma enxurrada de memórias, mesmo daqueles que já estão dobradas e bem arrecadadas no fundo das gavetas, mas claro sempre com a avisada bolinha de naftalina, não vá a traça atacar.


Pois que também eu me rendi (por mais que uma vez) às encarapinhadas permanentes que nada eram sem uma franja bem levantada à força de muita laca e secador. A moda nos saudosos anos 80, pode agora parecer um atentado aos olhos muito mais críticos e sensatos deste inicio de século, mas convenhamos era pelo menos mais animado.


Se me apetecer revolver bem as gavetas, um dia ainda aqui ponho umas fotografias interessantes, bem representativas da onda so called "neo romântica" da altura.


Adiante. Ao ler a Pronúncia, lembrei-me de um episódio bizarro, que não tendo nada a ver com cabelos, não podia ter acontecido senão por aqueles dias em que me julgava grande, e nem por um minuto me importava por quem dobravam os sinos.


Era Junho, festas de Sto. António, o padroeiro cá da terra, eu e uma amiga tínhamos ido ver um "concerto" dos então quase estreantes Rádio Macau, em plena Praça da Vila (agora cidade). Eu teria aí uns dezassete anos, pelo que feitas as contas, estaríamos em 1984. Lembro-me que vestia uma saia que a custo se poderia chamar de saia. Era mais uma espécie de cinto... Durante o espectáculo, noto que um homenzito, completamente fora do baralho ali no meio da "jubentude" toda, se chegava a nós, mais e mais, e mais. Eu e a minha amiga (ela um pouco mais nova que eu, e incomparavelmente mais tímida, coitada) lá nos íamos chegando mais à frente, na tentativa de fugir da investida da criatura. Naquela altura achei que era um velho, devia andar na casa dos 50, e andava por ali de olhos esbugalhados no meio de tanta fruta, de tal forma que a dada altura o desgraçado me passou a mão pela perna, tipo "ai que belo presunto"! Foi a gota de água. Virei-me pra trás, olhei-o bem nos olhos, fiz o meu sorriso mais doce e terno e tudo e zás levou duas orelhadas que só de me lembrar ainda sinto a mão a arder. Virei-me pra frente, a minha amiga perplexa olhava ora pra mim ora pró pobre do homem que aliás desapareceu num piscar de olhos.


Foi libertador.


 

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