segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Crescer



Com este tema, corro o risco de sair daqui um poste lamechas e constrangedor, mas perante o desafio da Fábrica para este mês, é incontornável que me lembre da minha mãe.

Parece coisa banal, afinal todos temos uma, e eventualmente todas nos tornamos uma também.

Mas não é exactamente assim. Para mim não.

Perdi-a há dois anos e meio. E só nesse dia me senti "crescida". Não tem nada a ver com recalcamentos de nenhuma espécie, nada disso, apenas me senti pela primeira vez realmente sozinha. Uma mãe é um elo que nos transcende, uma raiz, uma bússola. E eu senti-me sem norte. Mesmo no meio de tanta gente, mesmo no meio dos meus próprios filhos.

Ela não era letrada, aliás fez a quarta classe já depois dos três filhos, não tinha nenhum tipo de especialização a fazer o que quer que fosse a não ser aquele: ser mãe.

Ria-se das minhas façanhas, temia pela minhas inquietações, ouvia-me até à exaustão, bebia com desmedida vontade tudo o que vinha de mim. Sempre fui a Carminho nos momentos bons e a Maria do Carmo quando as coisas azedavam, e não eram poucas as vezes que o "leite se entornava". Como nunca fui para longe, o corte do cordão simplesmente não aconteceu. Ela estava sempre ali. Para mim, depois para os meus filhos. Posso afirmar até, que só sentia os meus filhos em absoluta segurança quando ficavam à guarda dela, dos seus cuidados e das suas mãos.

E tinha confiança em mim. Muito mais do que aquela que eu merecia. E achava-me o máximo (isso é capaz de ter deixado sequelas graves) e enchia de paz e conforto todo o sitio onde entrava.

Talvez por tudo isto, só no dia em que a perdi, senti que perdi também a última réstia da criança que ela gerou e criou e amou.

Também por isto, tenho a certeza que os nossos filhos, os meus e os vossos, apesar de ventos e tempestades sentirão esta ligação que não se vê, mas que é a maior das certezas.



Fábrica de Letras - Desafio Dezembro/10

22 comentários:

João Roque disse...

Não poderias ter encontrado melhor forma de contribuir para o tema deste mês da Fábrica de Letras.
É linda a homenagem que prestas à tua Mãe.

Anónimo disse...

bonito, MUITO bonito. capaz de me deixar com uma lágrima no canto do olho! beijinhos *

Anna disse...

Lamechas não será, mas sim muito emotivo...
Sentir um elo dessa dimensão pela nossa mãe é algo a que não escapamos, é inato, nem sequer é totalmente consciente.
Admiti-lo, contudo, já não é algo assim tão natural.
Neste teu relato, é admirável a forma como a recordas e, mais ainda, a intensidade da presença dela na tua/vossa vida.

Tenho uma grande dificuldade em admitir dessa forma a importância da minha mãe na minha vida... somos pessoas com ideias e ideiais diferentes, somos pessoas de tempos diferentes... E, no entanto, ao ler o que escreves, sei, sinto, que esse elo também aqui está, sei também que no dia em que não a sentir por perto, vou sentir-me verdadeiramente sozinha no mundo... Com todas as divergências (tão naturais, afinal), há uma ligação, um elo a que não se pode fugir...

Diria que o desafio deste mês visava precisamente algo assim - pegar numa referência aparentemente banal e desvendar a intensidade de sentimentos e sensações que lhe está afinal inerente.

Gostei muito!
Beijinho

meldevespas disse...

João Obrigada, beijo grande.

Leonor Tens muito tempo pra lágrimas, agora o teu tempo tem que ser só sorrisos, beijinhos grandes

Anna Percebo perfeitamente o que dizes, a meu tempo também eu tive as minhas desavenças com a minha mãe, naturalmente que gerações nos separavam, mentalidades abriam fossos entre nós, e nem sempre foi pacifica a convivência. Mas tal como dizes, é na falta que se sentem as saudades, que se encontram as mil coisas que se partilhavam e parciam nem existir. Espero que por muitos anos não tenhas que fazes contas destas. Beijo grande e obrigada.

Mayara Floss disse...

O amor dela estendeu-se como ar para ti e para teus filhos. E talvez tu ainda te encontre criança nas tuas crianças.

Emocionei-me. Belo texto!

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Brown Eyes disse...

Mel aqui está um post cheio de mel onde se sente a presença da abelha mestra e da sua importância na vida da colmeia. As lágrimas quase que correm. Beijinhos

manecas disse...

Há muito que não vinha aqui e não dizia nada.
Vim em boa hora.
Deixo apenas um beijo.
Gostei muito

Johnny disse...

Ó Maria do Carmo, és mesmo lamechas... mas ao menos sabes sê-lo com qualidade e pertinência. Valha-nos ao menos isso, Carminho.

meldevespas disse...

Primos Muito obrigada, e sim sempre somos um bocadinho crianças nas nossas crianças. Beijo

Mary B. Não é fácil este tema. Mas é recorrente quando toca a falar de coisas que nos tocam e a maternidade nas suas duas facetas é uma delas. Beijo grande

P.Manel Zé Um beijo grande também pra si, e obrigada por ter vindo conhecer este lugar. Aqui é um pouco diferente, são as "façanhas" do dia a dia ;D.

Jóni Tás a tentar ser querido? ok...conseguiste, beijinho.

Tulipa Negra disse...

Gostei muito da forma como falas da tua mãe e posso dizer que ao ler-te senti essa mesma ligação com a minha. Felizmente ainda está viva, infelizmente estamos longe, mas garanto que não é a distância que corta o cordão!
Beijinhos

Briseis disse...

Assim do nada, lá fui apanhada desprevenida e agora fico diferente... É uma declaração tão simples, tão óbvia, mas que toda a gente cala.
Foi muito bonito e generoso teres partilhado isto connosco!

meldevespas disse...

Tulipa Ainda bem que te fiz sentir mais forte essa ligação, aproveita-a bem. Obrigada pela visita, beijinho*

B. Obrigada. Ainda bem que gostaste ;D. Beijo*

mz disse...

Deixar aqui sentimentos e partilhar com amigos ou estranhos não é para todos.Escrever o que sentimos verdadeiramente é tudo menos ser "lamechas" e foi muito bonito o que escreveste. A partida da tua mãe deu-te consciência de que, agora tu és a "Mãe".
Eu ainda tenho mãe e também sou mãe.
Gostei muito.

meldevespas disse...

MZ Realmente falar dos sentimentos não é das coisas mais fáceis e talvez por isso se corra o risco da lamechice, mas há alguns desses sentimentos que têm que ser partilhados. Muito obrgada. Beijo

El Matador disse...

Muito bonito. Compreendo bem o teu post.

meldevespas disse...

El Matador Obrigada.Beijinho

Unknown disse...

Felizmente ainda não perdi a minha mãe, Carmo. Não a quero perder, não me sinto preparada para crescer. NÃO QUERO!!!!

És uma mulher de garra! Eu sei que vou tombar quando me acontecer passar por isso.

A minha mãe, tal qual como a tua....
Eu, uma mãe tão menos "profissional"...

beijos, muitos

meldevespas disse...

Ana Obrigada pelo teu comentário. Amei.
Beijo muiiito grande

Paulo disse...

Grande texto. Bela homenagem.
Gostaria de poder dizer o mesmo, menos a parte em que "Perdi-a há dois anos e meio"... e agora que digo isto, parece que afinal a perdi mesmo.

Salvador disse...

Gosto de ler textos assim, bonitos e sentidos.
Muito bonito, Meldevespas.))
Parabéns.

meldevespas disse...

Paulo Obrigada... oh Paulo, o teu caso é doloroso, até pra mim acredita. beijo grande pra todos aí em casa.

Salvador Obrigada. Um grande beijo pra ti*

Marta disse...

gostei muito. é um belo texto. muito bonito, muito franco, muito cheio de amor. aquele amor que passa no sangue e na vida, mesmo (e talvez especialmente) se ela não é perfeita.

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