quarta-feira, 1 de junho de 2011

Fazer Filmes



Posso dizer sem grande erro, que provenho de uma família parca em recursos de qualquer espécie, mas pródiga em imaginação...
Mesmo que não seja pelas melhores razões, desde muito pequena que me conheço a "fazer filmes", normalmente filmes de terror, ou pelo menos de cariz sempre um bocadinho duvidoso e/ou assustador.
Nestes lugares recônditos do mundo, para colmatar a falta de acção, a malta conta estórias. De ocorrências que com o passar dos anos ganham novas nuances e contornos cada vez mais macabros.
Espíritos em sofrimento que entram pelas janelas entreabertas ao bater da meia noite em busca de vingança, afogados que regressam a casa só pra recolherem os sapatos e não irem descalços pr
á eternidade, acidentes do "arco-da-velha" com consequências atrozes, hecatombes naturais esmagadoras no seu poder destrutivo, magias negras sussurradas à luz de velas e combatidas com alfinetes de ama abarrotados de medalhinhas de Santinhos protectores nas roupas interiores dos meninos. Enfim, todo um mundo desconhecido e feroz que se agiganta perante a nossa fraqueza e se prepara para nos engolir ao menor descuido.
Agora se pusermos os pezinhos no chão, isto tudo parece mais uma espécie de diagnóstico de um qualquer federado maníaco depressivo, e, sem mais demoras, meus amigos não andarei muito longe disso, e, surpresa das surpresas, os gaiatos começam já a mostrar os seus primeiros sintomas desta imaginação/depressiva/saloia/doentia.
Coisas do tipo,
sai de cima da árvore que ainda cais e partes o pescoço!, não fales enquanto comes que te engasgas e asfixias!, não faças o pino que te sobe o sangue a cabeça!, não te debruces da varanda que cais dai abaixo!, foram expressões que acompanharam a minha meninice, e foram ficando gravadas em mim, de tal forma que hoje as repito quase me dar conta.
Por muito adultos que sejamos, e até enfim, inteligentes, estas tatuagens são difíceis de contornar, e praticamente impossíveis de ignorar.
Nem sequer me vou alongar a desfiar aqui todas as minhas fobias, umas enterradas mais fundo na minha pessoa, outras mesmo
à superfície, sempre em ebulição e prestas a entrar em erupção, porque, e isto é muito serio, seria por demais fastidioso tal a dimensão do rol...
Mas ainda assim não posso deixar de vos dar provas da passagem de testemunho destas relíquias. Um dias destes o rapaz, ao ver a mais nova pegar na caixa dos bichos da seda, levantou-se com estrondo : larga os bichos! não lhes mexas! tu não vês que te podem entrar pelo nariz!
...
...
é conhecida a ligeireza e rapidez dos bichos da seda...

Não há como esconder, estamos todos tramados, se alguém mais conhecedor quiser, estamos a disposição para ser case study, claro desde que seja perfeitamente seguro.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Pindérica


Eu.
Não é fácil ter que chegar a esta conclusão sobre mim, mas há que pegar o toiro pelos cornos...
Diz o dicion
ário da língua portuguesa, que pindérica é um termo depreciativo que se prende com a falta de elegância. Portanto, eu.
Ontem num supermercado cá do burgo, uma funcionaria da caixa, depois de ouvir uma conversa entre mim e a minha "comadre", disparou sem do nem piedade: ahh então são comadres? bem bem...tem que se por a pau que ela é toda jeitosa e elegante!
...
...
...
Não que seja grande novidade pra mim. A verdade é que que cada vez me vejo mais parecida com a minha mãe, que nunca na vida perdia tempo a ver-se ao espelho. A vida vai-nos encaminhando, tipo cicerone, e quer seja por escolhas ou dados adquiridos, vai-nos desmoronando castelos e construindo casinhas.
Não me estou propriamente a queixar, mas por outro lado estou exactamente a queixar-me aiii a minha vidinha e assim.
Não digo que tenha abdicado de mim enquanto mulher, mas com certeza que fui arquivando muitos dos meus quereres em detrimento de banhos de realidade contínuos.
As vicissitudes da vida t
êm encontrado uma criatura com pouca atitude em relação à vaidade, física vá lá. Não tenho paciência para horas no cabeleireiros, opto habitualmente por cortar em casa, pintar em casa, esticar em casa e por aí adiante.
Sou roedora de unhas a tempo inteiro desde que me conheço, o que impossibilita de todo manter alguma postura. Nunca fiz uma manicura, ou pedicura, tenho pouquíssimos pares de sapatos, ou carteiras, ou outra coisa qualquer.
Ca
í na asneira de acreditar piamente na falácia de "o que conta é o que esta cá dentro", mentira!
O que esta cá dentro é o quê? O que esta cá dentro só pode ser valorizado no contacto com os outros, e quanto muito resulta num mundo um bocadinho assim a dar pro solitário se o envolvente humano/social não for compatível.
Por isso mesmo, tenho a casa atibada de livros, a cabeça atafulhada de conhecimentos (pronto, não serão assim tantos), e visualmente sou uma nódoa.
Se isso me preocupa? Mas e claro que preocupa! Apetece-me ser gira por fora, e elegante e essas merdas todas!
Enfim, depois desta mini revolta interior, começam a martelar-me na cabeça frases tão sabias como: burro velho não aprende línguas e o habito faz o monge.
Não creio que haja alguma esperança de nascer aqui uma quarentona toda boa de pele hidratada e unhas perfeitas e cabelo sedoso e de fazer parar o trânsito e coise.
Mas tenho pena, a sério que tenho.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Nem o pai morre, nem a gente janta


Isto tem andado a remoer aqui dentro. Posso estar a ser leviana, até porque também eu já fui uma adolescente cheia de dores e a carregar o mundo nas costas (fui?).
Tenho reparado, provavelmente porque sou mãe de dois adolescentes, que me vão chamando a atenção para determinadas ocorrências, que existe um crescente sentimento de "desespero" nesta gente so called teenagers. Bem sei que é uma jornada das nossas vidas em que tudo parece muito maior, assim mais ou menos como se estivesse a ser usada um lupa poderosa. Os amores são mais intensos, os ódios mais sangrentos, as opiniões mais vincadas, as certezas mais absolutas, e o mundo obviamente gira em volta do nosso próprio eixo, muito mais nesses anos que antes, ou depois.
Agora expliquem-me se puderem, se já e tão difícil, ultrapassar impune esses verdes anos, sem grandes mazelas que não sejam uma enorme saudade de lá voltar, porque é que os miúdos inventam mais merda pra cima deles? Atentem bem nos textos que escrevem. Nas ladainhas de auto-piedade, onde o ceguinho é sempre na primeira pessoa e nem precisa que ninguém lhe bata, porque eu sou tão feia, gorda, triste, solitária, desgraçada, magra, borbulhenta, coitadinha, não tem pena de mim?? Oh pá tenham lá pena de mim se não enfio os dedos na goela e vomito o pão integral que comi ontem ao jantar e depois choro e borro o rimel todo e aproveito e tiro uma fotografia que estampe essa tristeza tão grande e profunda e sem mais demoras vou logo posta-la no facebook pra que o mundo saiba como eu sofro pá!
E por fotografias, atentem bem na linha condutora das fotografias que polulam por essa web fora de adolescentes em "sofrimento", tristes, landscapes tristes, flores tristes, um desespero é o que é.
E depois ainda há os cultos atarraxados a todo este Carnaval, as bruxas, os demónios, os símbolos pendurados ao pescoço em enormes cruzes invertidas ( que Cristo é um chato e o dark side rula), etc, etc, etc.
Não é cá por coisas, mas a estas meninas e meninos que sofrem, tenho alguma curiosidade de os ver em menos de 10 anos, com um dois filhos pendurados nas mamas, a conta do gás a tinir, a barriga a dar horas, o emprego que nunca mais aparece, a toilette da Pascoa comprada nos chineses, e os tostões bem contadinhos até ao fim do mês. Isso meus filhos é que é sofrer. Até lá, vão cortando os pulsos com uma colher de pau faxavor.

terça-feira, 5 de abril de 2011

O baile


Já passaram uns dias, mas só agora, me sinto completamente depurada da sensação de enfado e enfarto que o dito cujo me causou.
A miúda mais velha, a um passo de acabar o 12º ano, lá teve direito ao habitual baile de finalistas. E quando digo teve direito, quero mesmo dizer o vestido, o padrinho a colher, as fitas e todos os adereços requeridos para a ocasião, o que muito me espantou, pois que a rapariga é toda armada aos cucos e coise...
Agora meus senhores, aquilo que deveria ser uma coisa leve, enfim, um apontamento da mudança que se aproxima na vida destes gaiatos, transformou-se ali mesmo naquele espaço tipo espartilho, numa autêntica feira de vaidades. A começar pelas mesas recheadas de iguarias, leitões assados...havia leitões assados. Pratos de porcelana, toalhas de linho bordadas, bolos encomendados propositadamente a pastelarias de alto gabarito. Vestidos de pedrarias e lantejoulas e bijuterias de brilhos estonteantes e saltos vertiginosos e arranjos de flores naturais. Quem entrasse desavisado, pensaria tratar-se de um casamento daqueles de aldeia, em que cada convidado tenta ofuscar a noiva a todo o custo.
Aliás a entregar-se um prémio de "modelito mais propenso a provocar o vómito em todo o auditório e arredores", ele iria direitinho para as mãos de um pai, sim de um pai que trajou autenticamente de "luces", com uma fatiota preta de riscas sedosas e brilhantes. Um estrondo.
Não nego. Foi uma noite interessante para o imaginário de qualquer um. Aproveitei bastante.
Nos lá fomos, a famelga em massa. E no meio de toda aquela parafernália, a malta até parecia muito normal! Verdade. Senti mesmo uma pontinha de embaraço pela minha tábua de queijos e tostas e pelo bolinho de chocolate feito a justa mesmo antes de hora do baile.
N
ão consegui deixar de pensar que deviamos estar a ensinar aquela juventude toda a vestir o fato de macaco e pegar na enxada, porque pelo andar da carruagem têm mesmo muito que "dançar" coitados.
Anyways... agora um bocadinho de baba pegajosa, viscosa e gostosa, digam l
á se a magana da gaiata não estava linda de morrer?
Sim eu sei...tal e qual a m
ãe...

Fotografia: Leonor e padrinho primo Pedro

segunda-feira, 14 de março de 2011

Hás-de dizer onde moras...

pra eu te ir largar um "bracito" à porta!





Não me ocorre mais nada depois das excelsas palavras proferidas no passado Sábado pelo Sr. Primeiro Ministro.

Diz o homem, que não se importa mais com o futuro dele, ou com a carreira politica (o gaijo até não é parvinho de todo), mas vai lutar até ao fim para impedir que Portugal tenha que bater à porta do FMI a pedir ajuda.

Sim senhor, digo eu. Atão a malta pode ir bater a porta do vizinho a pedir pão? Atão a malta pode andar com uma mão na frente outra atrás a tapar as partes ditas pudicas, mas claro sempre de cabeça no ar e o orgulho intacto? é isso?

Ao menos hoje pude respirar de alivio. Alguma coisa está efectivamente a ser feita em abono da nação, parece que os campos de golf vão voltar a ser taxados a taxa de IVA reduzida. Aleluia!


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

É por isto que eu não largo os Levitans...


Para os que ainda não sabem (não que isso interesse para alguma coisa), trabalho numa aldeiazinha perdida no Alentejo. Como dizem os velhotes daqui, "olhe menina, isto já nem uma aldeia éi, isto é mazé um monti!". E com razão. Os transportes públicos, ao longo dos anos têm vindo a cortar o número de ligações a estas terras, coisa que friamente até se compreende, se tivermos em conta que cada vez há menos gente. Contam-se pelos dedos os miúdos que vão para a escola fora da aldeia (e dentro também...parece que para o ano que vem, a escola primária vai encerrar de vez), e os velhos quando saem daqui, é na maior parte das vezes por motivos de saúde e então são as ambulâncias ou as carrinhas da Junta de Freguesia que vão dando conta do recado.

Havia aqui na esquina uma mercearia. Um daqueles lugares onde as pessoas iam comprar o pão e ficavam na converseta, a ludibriar a solidão destas paragens. Fechou. Os proprietários estão já nos oitentas bem entrados e cansaram-se do caderno dos calotes "aponte se faz favor que eu pago no fim do mês quando o meu homem receber."

Os velhos estão cada vez mais velhos, as ruas estão cada dia mais desertas e os novos entregam-se a este canto de sereia da pobreza e vão-se deixando enganar pelos trabalhos do campo, também eles cada vez mais escassos, roubados por toda a espécie de máquinas e tecnologias.

Um dia ainda vos falo dos olhos das crianças que ainda por aqui vivem, do vazio que há nos olhos delas, na falta de estimulo que passa de geração em geração sem apelo possivel.

Um rapaz de uma aldeia vizinha, estudante universitário, fez um levantamento da freguesia, e pasme-se, há menos de trinta anos, esta terrinha tinha mais de dez mercearias, outras tantas adegas, curtidores de peles, sapateiros, queijarias e salsicharias (as carnes e enchidos, e os queijos sempre foram a imagem de marca deste lugar, há até uma frase muito batida por aqui : "até do leite se fazem queijos!"), alfaiates, três padarias e muitos outros ofícios. Hoje resta uma padaria, e a sociedade recreativa (que de recreativa não tem nada), onde, valha-nos isso, ainda se pode beber um café, e onde homens e mulheres se reúnem para fazer o que mais de faz aqui: beber, beber e beber.

Agora imaginem vocês, cá o je, todos os dias vai almoçar a casa (9km) e regressa... o que tem isso de especial, perguntarão. Pois bem, o que tem de especial é que raro é o dia em que não acabo por fazer assim uma espécie de serviço público em regime de voluntariado. Diariamente aparece gente aqui no escritório :"posso ir consigo agora à hora de almoço? " e continuam, "tenho que ir à caixa levantar o dinheiro, ou tenho que ir pagar a luz, ou tenho que ir carregar o telemóvel, ou vou dar uma ajudinha à minha filha, ou vou entregar os papeis do desemprego, ou tenho consulta às duas da tarde, ou vou aos chineses comprar um par de cuecas". E depois " se não se importa venho consigo às duas horas, pode ser? espero por si ao pé da escola."

Bem, o bom disto é que sou paga em ovos, limões, laranjas, salsa, coentros, couves, ervilhas e uma vez ou duas, chocolates e até pacotes de amêndoas, e, ao mesmo tempo, vou sabendo a história de vida de metade da aldeia.

Provavelmente não é o sonho de uma vida. Não é. Mas enfim, diz que cada um só tem o que merece.


os desenhos são daqui, um artista local a ver e rever, vão lá sem demora!

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Nem a dignidade me deixam.

**

- Dás-me a lua?
- Dou. É tua!
- Ajudas-me a agarrar aquele sonho?
- Ajudo! Diz-me só, onde o ponho!
- Ficas comigo até ao fim?
- Não brinques comigo, que ainda te digo que sim!




Estou de volta para mais um desabafo das minhas pequenas misérias.

Assim de repente, como um chapadão que nos assenta mesmo em cheio, fez-se luz. A minha vida é um sem fim de coisas por cumprir. Eu não sou uma pessoa vertical como tantas vezes me deito a apregoar, e isso é no mínimo desconcertante e desmoralizador ( e ainda há-se ser umas quantas coisas mais começadas por "des", de certezinha). Senão vejamos. A parte do dia que não estou no emprego, estou quase sempre em casa. Estou quase sempre em casa em modo "vinil riscado alienado demente e maníaco do século passado a qual ninguém liga um pedo". Uma coisa do género: "eu disse que queria o fogão lavado, e tu chamas a isto lavado!", "porra! mas o que faz ainda aqui o saco do lixo do jantar de há três dias!!!!", ou ainda "porque é que dizes que a casa de banho foi limpa, e não mudaste o cesto dos papeis!???", sem esquecer o "acabou-se! ou fazes o que te digo ou então não vais ao treino/café/sair com o namorado/cinema/computador/telemóvel/msn/televisão/etc, etc, etc,", obviamente sempre seguidos da expressão " é que não tiras daqui o cu! (ou as nalgas*, vá...)".

Tudo isto, sempre num tom de voz, muito acima daquilo que a minha própria pobre cabeça já vai aguentando. Tenho por isso a nítida sensação, que entre este momento e um outro que será eu sair à rua em pelota, ou mandar-me da varanda abaixo, já não distará muito.

A verdade é que esses castigos, acabam invariavelmente antes de chegarem ao fim. E terminam da forma mais degradante possível.

Sou sempre comprada por uma pontada de pena que me nasce aqui dentro, e depois eu tento enxotar, mas já não é só pena, e depois já é uma mistura de dó e culpa e quando chega a pergunta envolta em falinhas mais ou menos mansas, tipo : "já está tudo arrumado, achas que posso ir ao blá blá blá?" , nessa altura, dizia eu, apanham-me totalmente de portas abertas, desprotegida, indefesa, de calças nas mãos é o que é. E por muito que ponha a minha pior cara ("estás sempre com uma cara!"), é mais que sabido, que a outra parte está confiante na minha resposta falsamente mal humorada "vai lá...mas ficas a saber que é a última vez! entendes! ENTENDES!!!".

Claro que entendem. Entendem até demais.

Uma vez um especialista destas coisas do comportamento, disse-me "minha senhora, os castigos têm que ser levados até ao fim, por isso pense bem antes de os dar."

Acho que o homem estava coberto de razão.
Acontece que razão é coisa que a minha pessoa não conhece, e quando dou um castigo, a raiva é maior que o mundo e sai sempre assim uma coisa brutal, à séria, uma coisa assim mesmo mesmo de má.

Ou seja, eu sou uma troca tintas, uma borra botas e uma fala barato.

Uma tristeza portanto.

*nalgas=nádegas (alguém podia não saber...)
**fui eu que escrevi sim senhora!
 

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