terça-feira, 16 de março de 2010

Deixem-me falar-vos do silêncio



Prometo não demorar.

Não sou aquilo a que vulgarmente se chama uma pessoa calada (calculo que já deu pra notar....), tampouco sou uma pessoa circunspecta, melancólica, retraída, inibida ou outras coisas que impliquem uma determinada polidez da expressão oral.

Durante toda a minha vida, vivi numa casa onde se falava alto. Para quem chegava de fora, com facilidade podia confundir uma conversa trivial com uma disputa fervorosa, aos berros. Sempre assim foi, um bocadinho como no Roma do Felini, toda a gente a falar muito alto, até porque era mesmo a melhor forma, senão a única de nos ouvirmos e entendermos.
Por outro lado, nunca ouvi da boca do meu pai, ou da minha mãe um palavrão digno dessa nota.
Ou seja a malta grita, fala alto, mas mantém um certo nível de conversação, prás coisas não descambarem.
Cá em casa, as coisas não são muito diferentes, se bem que, isto dos anos a passarem, tem-me trazido aos poucos uma certa sensibilidade abichanada aos meus ouvidos, e começam a incomodar-me os barulhos despropositados, a televisão aos gritos, a música aos ginchos, as galarices dos gaiatos. Ainda assim, claro está, continuamos a cultivar a veia artística existente em cada um de nós, e raramente falamos baixo. A vida é um palco meus amigos, e esse é o lema vigente da porta pra dentro! Todos aqui têm o seu momento, e alguns têm até direito a aplausos de pé! (não é o meu caso...não sou de todo um género muito apreciado).

Todas as manhãs, ainda em vale de lençóis, no doce abraço de um sono redentor, invariavelmente, sou acordada por um "Oh Leonoooooooor! Trás-me o lençooooool!", explicar aqui que o lençol de banho está em cima do aquecedor, a noite toda, pra ficar quentinho. Explicar também que à primeira chamada não há qualquer tipo de reacção, o que leva a uma segunda e eventualmente terceira.
Não é uma maneira agradável de acordar, não é pacifico, e como compreendem, compromete precocemente a disposição para o resto do dia...pelo menos a minha.
Uma pessoa habitua-se a tudo, e o barulho tem sido uma constante durante toda a minha vida, viver sem ele seria sem duvida um buraco negro.
Ainda assim, como diria a minha avozinha, que já lá está no outro lado, o bicho do ouvido não apresenta grandes sequelas, e posso-me até gabar de ter aquilo a que a minha mãe se referia como ouvidos de tuberculoso (deve depreender-se daqui que os tuberculosos têm um ouvido muito apurado), mas também, não vejo um pedo, era muito azar também não ouvir um! (uiiii a conversa está mesmo a descarrilar, estou-me a lembrar que uma amiga minha, já me acusou de ter nariz de perdigueiro, é melhor ficarmos por aqui com os analogismos).
Há quem se questione : "ó Carmo, isto os miúdos ao fim do dia já devem estar todos fartos uns dos outros, não é?"- ao que eu respondo "não senhor! Aqui já acordam fartos uns dos outros que isto Graças a Deus Nosso Senhor é uma casa de fartura!". E é mesmo assim, não estou a embonecar o assunto só porque sim. Só para vos provar que me estou a esticar, um dia destes, uma vizinha minha, que mora no mesmo bairro que eu, o mesmo bairro onde nasci, e que agora está pejado de gente velha e casas vazias, um dia destes, dizia eu, enquanto eu estava a estender roupa na varanda, chamou-me do quintal dela " Carminho! Ai filha se não fossem as tuas crianças a gritarem e mais tu, a gente nem dava por haver aqui vivalma!"... pronto, fiquei a saber que somos o mais perto que a vizinhança tem de real animação....
Posto isto, e porque prometi não me estender, imaginam bem o que é o poder do sossego, a força do silêncio quando já tarde (porque os cabrões dos gaiatos não dormem nem à lei da bala! , vá-lá às 11h da noite e, já não é mau!), aquela gente toda se amaga, e adormece? Podem sequer tentar imaginar?
A haver paraíso, deve ser parecido.
Nesse momento, finalmente com filhos e maridos e gatos, tudo ferrado a dormir, nesse momento repito, finalmente estendo-me no sofá, senhora do comando, zapo pra cima, zapo pra baixo, estico as pernas, apago a luz, depois acendo a luz, sento-me, vou buscar qualquer coisa pra comer, faço um chá, tiro todas as caixas de chá da dispensa, escolho uma, depois outra, não afinal quero esta, aqueço a água, espero que quase ferva, tiro a roupa da máquina de lavar, ponho a roupa na máquina de secar, dou um pontapé no gato, bebo o chá, folheio uma revista velha, volto pró sofá, desligo o ar condicionado, dobro um par de meias que está aqui em cima da mesa, desligo o computador que os sacaninhas deixaram ligado, verifico se a porta da cozinha está bem fechada (duas voltas na chave), sento-me no sofá, entendo as pernas, zapo mais uma vez, vejo o que há nas gravações, levanto-me do sofá e vou deitar-me. O silêncio da sala dá-me medo. Acho que só é bom ali, no impacto do momento, depois passa. E é tudo o que eu tinha pra vos dizer sobre o silêncio.

Ps: Até à semana passada tinha 34 seguidores, agora só já tenho 33, há um desistente. Vocês, estejam à vontade pra sair, tá bem? Mas façam barulho, não saiam com pezinhos de lã!
Pronto, agora é que é mesmo tudo por hoje.
Vá, até logo.



8 comentários:

Mulher a 1000/h disse...

Olha... eu tenho a dizer que perto de ti quebro o silêncio todo, porque fazes-me sempre rir alto e bom som com os teus textos! LOL AMEI! AMEI! :))

Ginger disse...

"ó Carmo, isto os miúdos ao fim do dia já devem estar todos fartos uns dos outros, não é?"- ao que eu respondo "não senhor! Aqui já acordam fartos uns dos outros que isto Graças a Deus Nosso Senhor é uma casa de fartura!"

AH AH AH AH :D

SÓ TU É QUE ME ARRANCAS ESTAS GARGALHADAS VINDAS LÁ DO FUNDO! :D

ORA, EU TOU A BERRAR POR MOTIVOS ÓBVIOS... É PARA ME INTEGRAR, TÁSJAVER?
VOCÊS ALENTEJANOS FALAM AOS BERROS PORQUE NASCEM TODOS MEIO SURDOS. EU AO MENOS TENHO UMA BOA DESCULPA PARA BERRAR. :P

NA TE RALES COM OS SEGUIDORES... 90% NA VALEM UM TUSTO FURADO. SÓ CLICAM PARA FICAR NA FOTO.

BJINHOOOOOOOOOOOOOS

Johnny disse...

Seria imensamente engraçado se o tal seguidor fosse a ruiva ali de cima (pelo menos para mim, que gosto de gozar com ela).

Muito engraçado, sim senhor. E para além de engraçado, revela uma habilidade (por acaso semelhante à da tal ruiva) para contar coisas. Muito bem.

Brown Eyes disse...

Eu não fui, estou cá e é para continuar só se morrer mas se isso acontecer a Ginger avisa-te :). Adorei, adorei, mas vou fazer-te uma perguntita: Por acaso não foste tu que te mudaste para baixo de mim, foste? Passo a explicar. Sempre me dei mal com o barulho. Não consigo viver no barulho, perturba-me bastante. Acontece que vivo há 2 anos neste prédio, um silêncio total, não se ouvia uma mosca,de manhã e à noite mas, azar dos azares, desde sexta feira passada que tem novos inquilinos e digo-te, do piorio. Ela anda de salto alto em casa, fala tão alto que se desligo a TV ouço a conversa dela em claro, têm uns putos que fazem barulho até há 1 e tal da noite, portas a bater, portas a ranger, cadeiras a arrastar. Mel se a mulher continua assim vou ter que me deslocar ao segundo andar. E gargalhadas? A potes, parece que estão sempre a contar anedotas ou a ver filmes cómicos. Acabou a minha paz. NÂO CONSIGO VIVER COM BARULHO, aliás mudei para aqui porque onde vivia deixou de haver sossego. Compreendo que há pessoas que se habituaram a falar alto mas, num prédio, há que haver certos cuidados. As crianças é para estarem na cama o mais tardar às 22,30. Eu que não sou católica já comecei a rezar a todos os santos que iluminem o pessoal lá em baixo. Já pensei em comprar uns tampões e logo que eles entram em casa, até disso dou conta, colocá-los mas o pior é que fica o mundo todo em silêncio e gosto de ouvir o som da tv, o telemóvel a tocar, a campainha da porta, etc. Mel se vivesse contigo estava louca já. Como aguentas conta. Conta para ver se dá resultado com o pessoal lá de baixo. rssssssss

mz disse...

Deu para sentir a barulheira... então no silêncio do vale dos lençóis
"Oh Leonoooooooor! Trás-me o lençooooool!", caramba, quase que saltei!
:)

beijinhos

meldevespas disse...

Silvia: Ai tu ainda achas graça!!!?? Eu já só acho às vezes, porque a maior parte do tempo é desgastante, e o pior é chegares à conclusão que é um stress, mas já não podes (nem sabes) viver de outra maneira.
Beijos Grandes
Ginger:Essas coisas que ouviste por aí dizer sobre os Alentejanos, não ligues, são tudo mitos. Não somos surdos, isto aqui é que é muito grande, não vivemos uns em cima dos outros e de um monte até ao outro "hádes" convir que a malta tem que exercitar a pulmueira, tipo "Ó TI BIA!!!! A TUA MARRÃ JÁ PARIU???"...ententes? é isso, mai nada. Mas gostei que tivesses entrado aqui de peito aberto a falar alto, até parecia que eras cá de casa (se calhar és...)BÊJOS ENORRRMES
Jóni: Agora que falas nisso....achas que ela teria tomates pra me fazer isso? hummmm, tenho que ir verificar.....mas acho que não, a Ruiva é praticamente minha irmã gémea, salvo a diferença de alguns 20 anos entre nós.
Beijinhos
Mary B: Das duas uma, ou são Alentejanos, ou são meus familiares. Concordo que num prédio deve ser complicado lidar com essas situações, ainda por cima se não for na nossa casa. Aqui ainda (pelo menos por enquanto) é tudo um bocado (grande) diferente. Não há muitos prédios, e há muito espaço, e além do mais, como diz uma canção já muito muito antiga, por aqui ainda vigora: "Na minha aldeia tudo são primos e primas"...ou quase.
Beijocas e coragem, muita coragem!
MZ: Deixa cá ver....sim acho que é o único exercicio fisico digno desse nome que faço durante todo o dia, é esse pulo ao acordar. Infalivel :\
Beijinhos

João Roque disse...

Ainda há barulhos saudáveis, haja Deus!
Quanto aos seguidores, há quem vá seguir "n" blogs, só para depois ser seguido (manias...)
Beijinho.

meldevespas disse...

João: Verdade! A minha mãe sempre me dizia "deixa-os falar e gritar à vontade! é sinal que estão bem!"...se calhar é mesmo ;D
Poizé , esta coisa dos seguidores tem muito que se diga, aqui foi mesmo ´só um "à parte" que me diverte. Aqui só fica quem quer!
Beijinhos Grandes

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